Taoísmo como chave simbólica da contradição chinesa
(assista ao vídeo sobre o projeto de investimento chinês no Brasil para a construção de ferrovias)
A China é, para o olhar ocidental, uma equação mal resolvida. Um país comandado por um Partido Comunista que celebra bilionários, reprime greves e constrói arranha-céus. Uma economia de mercado sob comando de Estado. Um socialismo que cresce com métodos capitalistas.
Contradição?
Sem dúvida.
Mas talvez apenas aos olhos de quem espera coerência como princípio.
Para tentarmos compreender a lógica chinesa contemporânea — ou, melhor dizendo, sua não-lógica no sentido ocidental — talvez seja preciso adotar outro vocabulário. A chave, aqui, pode ser menos ideológica e mais simbólica. Não se trata de afirmar que o taoísmo seria a fonte direta da política econômica chinesa. Isso seria puro reducionismo cultural. Mas seria possível argumentar que o taoísmo funcionaria como um imaginário latente, uma infraestrutura conceitual invisível que permitiria sustentar o paradoxo como forma de organização, e não como falência racional.
O Tao como harmonia do irreconciliável
O Tao, como descrito no Tao Te Ching, não é uma entidade, nem um plano, nem uma ideologia. É um fluxo — a ordem natural do universo, que não exige esforço, imposição ou coerência lógica. No Tao, o yin e o yang não são forças em oposição, mas metades complementares de um mesmo ritmo. Luz e sombra, avanço e recuo, firmeza e flexibilidade — tudo se move num jogo de interdependências.
Quando Zhuangzi afirma que “palavras são armadilhas para o pensamento. Quando você pega o peixe, esqueça a rede”, ele está apontando para uma realidade que não se fixa em conceitos, mas se movimenta com liberdade. A China de hoje, nesse sentido, não é um projeto ideológico fechado, mas uma coreografia viva de tensões administradas. Um sistema que não exige coerência para funcionar, apenas fluxo.
Deng Xiaoping, Lao-Tsé e o gato que caça
A frase clássica de Deng Xiaoping — “não importa se um gato é preto ou branco, se ele pega ratos, é um bom gato” — já é, por si só, uma peça taoísta de pragmatismo radical. Ao dissolver o dogma ideológico na eficácia concreta, Deng antecipa um modelo onde os meios são subordinados ao resultado, mas sem perder o controle central.
Sedo assim, a abertura econômica da China não seria uma adesão liberal, mas uma manobra estratégica, onde o mercado seria absorvido, domesticado e reinserido sob a autoridade do partido. O capitalismo chinês não seria a autonomia do capital, mas capitalismo com rédeas políticas. E o povo, educado por séculos de ambiguidade filosófica, absorveria a tensão sem escândalo.
O erro de julgar a China com olhos binários
O Ocidente, herdeiro de Aristóteles, opera com lógica do “ou-ou”: ou é comunismo, ou é capitalismo. Ou há liberdade, ou há autoritarismo. Ou o Estado controla, ou o mercado domina. A China, por outro lado, permitiria que esses polos coexistam. Não por ignorância teórica, mas porque não veria sentido em escolher entre abstrações quando a realidade exige adaptação.
O taoísmo ensina que “o que é rígido e duro é companheiro da morte. O que é suave e flexível é companheiro da vida”. Talvez por isso tantos modelos ocidentais — coerentes, cartesianos, programáticos — tenham ruído sob seu próprio peso. A China, com sua aparente incoerência, sobrevive porque não exigiria coerência total de si mesma.
O dragão que navega
Comparar o modelo econômico chinês ao Tao é mais que uma analogia estética. É reconhecer que há ali um padrão de pensamento onde o Estado e o capital, o socialismo e o mercado, não se anulam, mas se equilibrariam como polos de um mesmo organismo. O Partido Comunista seria o corpo visível; o capital, a corrente subterrânea. Ambos se regulariam mutuamente. Ambos existiriam porque o outro existe.
Essa leitura não pretende idealizar o regime chinês. Há repressão, censura, desigualdades brutais. Mas essas falhas não anulam o ponto: a China não tenta resolver sua contradição. Ela vive dela. E talvez, nesse aspecto, sua alma filosófica seja mais taoísta do que marxista — mesmo que a retórica diga o contrário.
Só pensamento.
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Parabens pelo texto
ResponderExcluirSegundo eu assistir o video, e nao consigo entender o porque de tanto espanto. A China junto com o Japao, Coreia e ate os Estados Unidos sempre foram parceiros comerciais no Brasil, essa integracao contruir mais ferrovias e muito bom pra economia do nosso pais quantos empregos que vai ser criados? E a economia? Entao o governo federal estar de parabens!
Excelente texto. Uma pena que o Brasil esteja reduzido a uma discussão rasa reduzindo a política à dicotomia direita /esquerda.
ResponderExcluirDeveríamos discutir menos sobre o presidente do país e mais sobre os presidentes dos partidos políticos, os "caciques" que no fundo sugam o orçamento e se aproveitam da máquina pública